O Caminho Arquetípico

Bruno Brito
2 min readNov 1, 2023

Ao voltar do interior paulista rumo à cidade de São Paulo é difícil não se impactar com um monumento lítico chamado Pico do Jaraguá, na saída Noroeste da capital. Aproximando-se da urbe, é notável o desnível do terreno em direção à várzea do Rio Tietê, que por um capricho da natureza, serpenteia a marginal em direção ao interior do estado.

Ao embalar neste grande declive asfaltado e visualizar com clareza o pico ao fundo, confirmamos o comentário de Sérgio Buarque de Holanda a respeito de nossas vias traçadas sobre rotas tropeiras, que foram trilhas bandeirantes, apreendidas com os povos indígenas, que por sua vez seguiram os rastros dos bichos.

No mínimo curioso tomar consciência que, no fim, percorremos caminhos de animais que cruzaram estas paragens a milhões de anos atrás e também os passos de indivíduos nômades de um passado remoto pré-colonial.

Ao me deparar com o Pico do Jaraguá, também me recordo de um texto de @leonardoboff, apresentado pelo amigo @matheusmachado em 2012. No artigo, o teólogo discute “o caminho como arquétipo”, uma imagem ancestral na psique humana. Caminho que habita nossa subjetividade, nossa biografia e, por que não, nossa genética.

O avistamento de um ente rochoso como o Jaraguá tem a capacidade de nos lançar de volta para um tempo-espaço adormecido em nossa própria memória corporal e psíquica. Como numa espécie de déjà vu em movimento, temos a sensação de saber onde estamos, de onde viemos e para onde estamos indo.

Diante da magnitude geológica do pico e da miríade de cursos fluviais que permeia a cidade (a maioria com toponímias tupi-guarani), alcunhas como Raposo Tavares, Anchieta, Anhanguera (Bartolomeu Bueno da Silva), Bandeirantes, Dom Pedro I, Castelo Branco, Presidente Dutra e os tantos signos de dominação e poder na malha viária, se tornam irrelevantes em meio a essa topografia primitiva e atemporal.

Nesse sentido, ler esta paisagem de um tempo sem fé, sem lei, nem rei* é, portanto, um exercício decolonial.

* Pero de Magalhães Gândavo in “Tratado da terra do Brasil”, 1573.

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