Folha de Louro

Bruno Brito
2 min readOct 22, 2023

Minha memória olfativa é algo que sempre me intrigou e moveu. Desde pequeno meu pai diz que meu nariz é bom pra detectar o estado das coisas e frequentemente me perguntava se algo estava estragado ou se dava pra comer mais um ou dois dias.

Quando ia à missa aos domingos, ficava intrigadíssimo com um certo perfume onipresente nas senhoras de cabeça branca ou levemente lilás. Um cheiro adocicado, floral e sutil que nunca encontrei nas farmácias. Diferente do talco “Alma de Flores” ou mesmo dos clássicos masculinos “Très Marchand”, “Avanço” ou “Senador”, amplamente difundidos na terceira idade que frequenta mercados municipais, rodoviárias e feiras da breganha, esse perfume das vovós que carregam terços se manteve oculto a mim.

Seria essa uma colônia guardada do tempo das boticas e pharmácias com “ph”? Haveria um código secreto e arcaico para solicitar essa fragrância no balcão? Pra ser sincero, talvez eu prefira não encontrar tal frasco na gôndola, justamente para que esse mistério sempre habite no íntimo do meu ser.

No entanto, há outro cheiro que sempre irá me desencadear uma memória que remonta a primeira infância: o das folhas de louro empregadas nos preparos da Vó Vera em sua casa no Bairro do São João, em Jacareí.

Fava-branca, feijão-fradinho, feijão-carioca, feijão-preto, sopas de tubérculos variados, arrozes, dobradinhas, mocotós, quibebes de carne-seca, mexidos e até massas como o famoso “goela de pato” — aqueles com 2 dedos de largura — levavam tal tempero. Tudo era ensejo para o uso da antiga folha aromática importada a nós do mediterrâneo, mas comprada à granel por ela no Mercadinho Piratininga, em São José dos Campos.

Lembro da primeira vez que, sozinho, joguei 3 folhas de louro numa panela de pressão com feijão e percebi a casa se incendiar com aquele vapor inebriante, idêntico ao da sua casa na Rua Tomé de Souza. Naquele dia decifrei o denominador comum culinário da Vó Vera.

--

--