Caaipora
Tudo que é vivo regenera
Criatura encantada correndo por entre as picadas da mata, faz do oco escuro das árvores sua morada provisória. Aparece e desaparece com nosso assobio e também o pio dos bichos. Onipresente no imaginário popular brasileiro, de norte a sul e de leste a oeste, tal figura, enigmática e imprevisível, paira sobre o inconsciente coletivo dessas comunidades rurais.
Indígenas, caipiras, ribeirinhos, quilombolas, sertanejos e caminheiros errantes já viram ou ouviram falar desse ser ligeiro que vigia a fauna e a flora brasiliana. Ora homem, ora mulher, ora preto, ora caboclo, caaipora, bem como Macunaíma, é herói sem caráter, bandeira ou religião. Não respeita fronteiras ou cercas criadas pelos brancos e, sobre seu porco-do-mato, vive varando os matos pelos flancos.
Com brasa vermelha nos olhos, apavora os caçadores ao ressuscitar bichos e plantas, espantando, assim, todo aquele que tira da mata mais do que precisa ter. Governa onde o Estado não chega, põe ordem por meio do caos e da ponta de sua lança.
Habita na mente daqueles que vivem na relva e que flertam com o mistério antigo. Gente que lida com a terra, a água, o ar e o fogo. Fogo que queima e que regenera, que mata e dá a vida. Que transforma o barro em panela e o pau em canoa. Fogo divino, maravilhoso, que anuncia o roçado do milho e da mandioca, pão dessa gente.
Por entre cobras e cipós retorcidos como fitas de um DNA ancestral, convivem estes seres pintados de urucum e jenipapo nos ermos do sertão. Ora envoltos por cascas de planta, ora embrenhados nos taquarais, resistem ao tempo e teimam em renascer, mesmo quando o mundo parece queimar e o céu cair.
—
Texto escrito para a nova coleção da @flaviaaranha_, que também usou minhas esculturas no editorial “Caaipora”.
Direção criativa @flaviaaranha
Foto @juliazeidler
Beleza @acarolsantos_
Styling @c__verissimo
Modelo @shirleypitta_
Produto @giovannandrad_
Produção executiva @dudadinda