Bica: um ribeirão domesticado

Bruno Brito
2 min readAug 17, 2021

A bica d’água é, para a casa rural goiana, o cerne, a artéria aorta, o jarro da temperança, o ribeirão domesticado e, também, lugar de lavar vasilhas, panelas, mãos, frutas, legumes, hortaliças, roupas, sapatos e o que mais for preciso. E também os bebês, como faziam os antigos. É o lugar onde descansa todo tipo de utensílio e alimento. Queijos e frutas encontram abrigo nos arredores dela. Baldes e tachos também.

Signo da abundância, é termômetro perene da condição dos rios, córregos e regos d’água dos arredores. Faz também o pano de fundo sonoro das casas, varandas e alpendres, mesmo nos momentos mais silenciosos. No escurão da noite, a água que percorre a bica não deixa esquecer que a vida segue existindo lá fora: sem pausa, sem pressa.

A água corrente, inclusive, é reaproveitada num curto espaço de tempo: é possível lavar as mãos e as roupas ao mesmo tempo. Deixar as panelas de molho e lavar a mandioca recém colhida. Depois da queda, ainda irriga o quintal, lava o chiqueiro e volta a correr pela pindaíba, mata que margeia cursos d’água.

Associada ao monjolo, a bica se transforma na fonte de energia que pila os grãos, numa dança ensaiada, uma gangorra perpétua movida pelo peso da água e a força da gravidade. Sua forma é similar ao cocho: um tronco de árvore lavrado, com uma das laterais aberta. No caso do cocho, o espaço aberto é preenchido com sal. No caso da bica, a água toma conta da cavidade.

A vida gira ao seu redor. É onde conversas começam e terminam. Onde se bebe água e se faz uma pausa durante o dia. É símbolo da generosidade brasileira:

Tomai todos e bebei,
Esta é a água da minha nascente.

Bruno Brito & Lorena Lara (lorenalara)
Julho de 2021

Fazenda Biboca — Serranópolis — GO
Fazenda Taboca — Serranópolis — GO
Fazenda Biboca — Serranópolis — GO
Fazenda Bonito — Serranópolis-GO

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